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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mas Há Primaveras

A comunidade universitária e a opinião pública têm procurado, atônitas, acompanhar os acontecimentos recentes na Universidade de São Paulo. Como acreditar que professores, alunos e funcionários da USP, em especial da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, sejam criminosos cujos atos merecem ser severamente reprimidos com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e gás pimenta? Como acreditar que querem destruir seu patrimônio, agir com violência e causar danos aos demais? quem acredita nisso? por quê?

Se se compararem as informações e declarações dos últimos dias, será possível repor a situação. Em plena negociação salarial, em 25 de maio, a Reitoria fechou as portas do prédio e não deixou parte da comissão de negociação entrar. Ao agir assim e quebrar a regra da cultura democrática instituída, não era improvável que soubesse da reação dos estudantes que, impedidos de entrar, poderiam forçar a porta e fazer uma "invasão" relâmpago. Mas, depois dos acontecimentos de 2007, havia uma resolução do Conselho Universitário autorizando a Reitoria a chamar a polícia quando julgasse necessário, a qual foi aplicada.

Docentes e estudantes sabem ensinar e estudar, principalmente. Talvez até, de um modo um tanto canhestro e desafinado, também saibam protestar. Alguns estudantes gritam e chegam a tirar cadeiras e pô-las diante das salas de aula, impedindo a entrada nelas – sinais de sua impotência, de sua insegurança e da desinformação acerca de outros canais de manifestação mais legítimos e eficazes, de que os professores (ainda) dispõem. Mas essa alegada "violência" estudantil não tem parâmetro com as armas usadas pela PM, treinadas para eliminar malfeitores, e descontentes. .. Inacreditavelmente, a atual reitora da Universidade de São Paulo pensa que sim!

Isto é ofender a USP e todos os seus membros. Pretextando grupelhos, radicais e sabe-se lá mais o quê, a Reitoria entregou a direção da universidade a um comandante policial. Ao ser alertada por um docente de que a presença da polícia no campus poderia causar graves danos físicos e morais a membros da comunidade, e de que as armas utilizadas pelas tropas contemplavam escopetas e metralhadoras, a reitora limitou-se a dizer que a escolha das armas adequadas à ação policial não era da sua alçada. A reitora transferiu sua responsabilidade pela vida dos estudantes, professores e funcionários, das crianças e adolescentes que estudam na Escola de Aplicação, e de todos aqueles que livremente transitam pelo campus Butantã da USP, a um coronel da PM.

Os professores da USP não estavam em greve. A campanha salarial e a carreira docente importam aos professores porque sabemos o efeito nefasto que salários aviltados causam ao ensino, como temos visto na precarização do ensino secundário. Os mais velhos se lembram de como o ensino médio público era padrão de qualidade para a escola privada, o que hoje nos parece um sonho desaparecido. A recuperação salarial nos importa para que a Universidade pública não passe a ter salários tão baixos que os melhores profissionais prefiram se afastar dela e servir apenas à iniciativa privada, com seu principal interesse no lucro, e levando ao desaparecimento das investigações independentes que interessam ao coletivo. Lutar por salários, todos sabem, é lutar por deixar uma universidade com melhor qualidade e para que a USP tenha o que comemorar daqui a 25 anos.

Os estudantes da USP não estavam em greve. O temor relativo à Univesp, ou Universidade Virtual do Estado de São Paulo, provém da convicção de que a expansão virtual da Universidade se fará à custa da qualidade do ensino e em detrimento das políticas de permanência estudantil por que vêm lutando, da construção de salas de aula presenciais, bibliotecas, laboratórios, moradias e restaurantes universitários, temor compartilhado por alguns professores que relataram desconfianças na implantação do Programa.

Todos estes são assuntos importantes para homens e mulheres que, trabalhando dentro da Universidade, abdicaram de ser meros consumidores e reprodutores de um saber para, com diversas dificuldades, se tornarem sujeitos de conhecimento, de ação e de transformação da sociedade. Requeriam, pois, que decisões dessa monta fossem tomadas com o conhecimento da ampla maioria da comunidade acadêmica, e não por decretos e resoluções. Todavia, recusando-se a negociar, a esclarecer, a Reitoria da USP teve como única resposta para a dificuldade do momento inventar uma ocupação para chamar a polícia. No dia 9 de junho os professores em assembléia, pensando em conjunto como retomar as negociações, ouviram tiros e gritos que dificilmente esqueceremos. Do prédio da Reitoria, de uma de suas janelas, umas dez cabeças assistiam ao lúgubre espetáculo de alunos e professores fugindo das bombas e sendo acuados no prédio da História. Apesar disso, e embora vários colegas tenham tentado contatos com a reitora, a fim de evitar um desfecho de proporções inimagináveis, ninguém, em momento algum, atendeu aos chamados dos docentes. Contatado, finalmente, o governador se calou: as armas já tinham falado por ele. Passado o furacão, reitoria e aliados vêm a público se manifestar e justificar atos injustificáveis.

O tecido universitário está desfeito. Todos os que defendem uma universidade pública, com direito a discussões, propostas, ações solidárias e coletivas, deixamos de reconhecer a reitora como interlocutora de nossa prática acadêmica. É verdade que, dentro e fora da Universidade, há os que aprovam a ação da polícia, alegando destruição do patrimônio público; desqualificam a decisão das assembléias em favor da greve, apelando para o direito dos que querem aula, embora não compareçam a elas; contestam os piquetes de funcionários e alunos, argumentando serem contra uma "violência generalizada". Essas mesmas vozes recorrem a proposições vagas e metafísicas, que, descoladas de seu contexto político, ridicularizam o direito "à diferença", "à opinião" etc.; mas se calam diante de questões materiais decisivas para a Universidade estadual, como a destruição do patrimônio público perpetrada, esta sim, pela polícia e por fundações privadas instaladas no interior da USP. Negando o direito à greve e a piquetes, propõem em seu lugar que cada um faça o que bem entender, desde que confortavelmente instalados em seus gabinetes particulares, ao abrigo do espaço coletivo e presencial de discussão. Parecem supor que a condenação das assembléias de professores e estudantes é feita ainda em favor do direito do aluno, como pagador de impostos, de ter sua mercadoria-aula. Ao sobreporem a figura do consumidor à do cidadão, transferem a cultura da universidade privada para dentro da Universidade pública, transformando os grevistas em anti-cidadãos- vendedores que não cumprem sua parte no troca-troca do mercado – como se estes não pagassem também seus impostos e não tivessem direito a forma alguma de dissidência. Certamente que, assim, esse discurso cala-se diante da destruição da Universidade pública levada a cabo por governos neoliberais e encobre sua adesão à mesma ordem de coisas, sob a capa de uma pretensa motivação pacifista.

Neste sentido, a Universidade deve se envergonhar de que uma parte do seu corpo docente e discente não condene a ação policial contra atos de caráter político: pois isso significa que essa parte não se importa com o coletivo e com o tipo de conhecimento e ética que estão sendo transmitidos nessa Universidade. A sociedade deve saber disso e querer que, na Universidade de São Paulo, os professores, os médicos, os arquitetos, os atores, os engenheiros, os biólogos, os psicólogos e todos os que aí se formam, com a contribuição de todos nós, visem mais ao bem coletivo que ao seu único e próprio lucro. E fazer parte da coletividade implica ter de olhar para além do seu escritório particular, do seu consultório e da sua sala de aula.

Agora a Universidade de São Paulo está em greve, exigindo a retirada imediata e definitiva da polícia no campus, para que retornem as condições de diálogo entre todos os envolvidos. Mas desde que a Universidade foi violentada com a permissão, ou pior, a mando de seus dirigentes, os professores requerem que a atual reitora se afaste do cargo e torne a ser algo de que possa se orgulhar: professora. Oxalá, assim, o próximo reitor compreenda que uma universidade não se faz virtualmente, nem com tropas militares, mas com docentes, estudantes e funcionários preocupados com o ensino e com a pesquisa, e sobretudo, com fazer parte de uma menos triste humanidade.

Essa carta foi enviada a diversos veículos de comunicação, mas por motivos óbvios, não foi publicada.

Adma Fadul Muhana

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Relato do Profº Rogério Monteiro de Siqueira (EACH - USP) sobre a invasão e a ação policial ocorridas no dia 09/06

Segue abaixo mais um relato, na íntegra, de um professor da EACH/USP sobre a invasão e a ação da PM na USP, no dia 09 de Junho.

"Prezados colegas, amigos e alunos,

estou estarrecido. Nunca pensei que ia viver isso na na nossa
universidade. Uma indignação enorme me fez deixar a assembléia de
professores no prédio da História e descer correndo para a reitoria. A
informação que tinha chegado à nós era de que o batalhão de choque
estava soltando bombas sobre os estudantes e funcionários na reitoria.
De alguma maneira, como professor, imaginei ter - junto com outros
colegas - a força necessária para arrefecer o conflito. Era preciso
evitar o pior, evitar que algum estudante se machucasse. Tínhamos
visto nos jornais no dia anterior, policiais com metralhadoras.

Chegando mais perto, uma fumaça enorme, estudantes correndo, e um
clima bastante ameaçador. Um aluno passou por nós dizendo que não
devíamos ficar ali. Retruquei: Não. Vamos ficar aqui.

Descemos mais um pouco e uma tropa de choque, cacetetes, bombas, spray
de pimenta, marchou em nossa direção.
Subimos a calçada, que passem ! Tratava de saber o que de fato
ocorria, procurar responsáveis, tentar negociar, verificar se alguém
estava ferido. Mais perto, um policial do batalhão - uns quinze -
mandou a gente se afastar. Dissemos que éramos professores. Se
afastem! gritaram. Somos professores! Eles jogaram spray de pimenta na
nossa direção. O Thomás que estava um pouco mais a frente, de
carteirinha na mão, recebeu o spray nos olhos. Saímos correndo. Uma
bomba de gás caiu a um metro dos meus pés. Parei um pouco e olhei na
direção dos policiais com toda a raiva que já pude sentir.

Um policial com uma bomba na mão olhou pra mim. Senti que iríamos
receber mais um presente da corporação. Estupei o peito e falei
gritando: Você vai jogar na gente? Somos professores! Você vai jogar?
O absurdo era tanto que fui mais absurdo ainda. Como eu podia fazer um
negócio desses? Mas fiz.

Não dava mais para ficar lá. Chamei a Vivian Urquidi e o Jorge Machado
para subir novamente até à História. O Thomás já tinha saído porque
mal conseguia abrir os olhos. Meus olhos também ardiam muito.

Eu só gostaria de saber: o que um professor de carteirinha na mão, um
outro com mochila nas costas, pasta em uma mão e blusa na outra, outra
professora com uma flor na mão representam de perigo ao patrimônio da
USP? Gostaria de saber até onde a tese de preservação do patrimônio se
sustenta? Que espécie de comunicação e negociação é essa, que coloca
policiais cegos a serviço da Reitoria? Para onde fomos? Para onde foi
a experiência de 75 anos em produzir saber?

Saudações acadêmicas.

Rogério Monteiro de Siqueira

Professor Doutor EACH-USP
História e Geometria
http://www.each.usp.br/rogerms
Escola de Artes, Ciências e Humanidades - Universidade de São Paulo
Arlindo Bettio, 1000, Ermelino Matarazzo, 03828-000, São Paulo."

http://letrasemgreve.blogspot.com

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Comunicado da Diretoria da FFLCH sobre o ocorrido em 09/06

Segue abaixo íntegra de comunicado publicado no site da fflch:

COMUNICADO

Diante da gravidade dos acontecimentos ocorridos no campus da USP, na tarde de 09/06/2009, a Direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, as chefias de Departamentos e as Presidências das Comissões Estatutárias, reunidas em 10/06, vêm a público para manifestar o seguinte:

1. Por volta das 17hs, mesmo com a tentativa de mediação da direção da FFLCH junto ao comandante do efetivo da PM, bombas de efeito moral foram atiradas sobre o estacionamento do prédio de Geografia e História, tendo seus gases invadido o edifício, onde se encontravam
muitos professores, alunos e funcionários de nossa unidade.

2. Independente das causas que tenham originado tal atitude, esta se constituiu numa agressão física e moral à Faculdade. Não podemos aceitar passivamente um ato violento que agrida um espaço que foi constituído para o pensamento e reflexão.

3. Inquieta-nos o fato de ser a primeira agressão direta sofrida pela faculdade desde 1968. Acreditamos ser urgente encontrar formas de reabrir o diálogo de modo a permitir que os meios tradicionais e próprios da comunidade universitária de resolver conflitos se imponham sobre a força.

4. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas em seus 75 anos de história conseguiu se transformar num patrimônio cultural do Brasil. É responsabilidade de todos nós, professores, alunos e funcionários da USP, encontrarmos meios de afastar todas as formas de violências do campus para preservar a Universidade como um espaço plural e democrático de geração e transmissão do saber.

Profa. Dra. Sandra Margarida Nitrini
Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Relato do Profº Ádrian Fanjul (DLM/FFLCH - USP) sobre a invasão e a ação policial ocorridas no dia 09/06

Abaixo, a íntegra do relato do professor Ádrian Fanjul, da área de Espanhol do Departamento de Letras Modernas da FFLCH/USP. Esse relato foi elaborado no dia 09, após a ação repressiva da invasão da PM no campus Butantã da Universidade de São Paulo contra professores, funcionários e estudantes das três universidades estaduais paulistas. [grifos nossos]

"Caros colegas:

Hoje de tarde estava acontecendo a assembleia da ADUSP, no anfiteatro da Geografia, com uma grande quantidade de professores, quando fomos avisados que havia enfrentamentos com a Polícia. Uma parte da Assembleia foi ver o que acontecia, outros quiseram ir para mediar, muitos ficamos esperando no hall da Geografia.

Foi perfeitamente visível, primeiro, como a PM perseguia os manifestantes (muitos, vimos muitos alunos que cada um de nós conhece perfeitamente como aluno), e como jogava bombas e balas de borracha.

Vieram para o prédio e a polícia chegou a jogar várias bombas de gás pimenta dentro do hall, logo no momento em que, na Avenida, a Diretora tentava mediar.  Pelo menos um centenar de professores estávamos ali e tivemos que nos proteger desse ataque, vários passaram mal. Nós, corridos com bombas. Nós, docentes, pesquisadores, que imagino que não preciso dizer que não portamos armas, como não as portam os alunos nem os funcionários, mas antecipo isso porque espero que ninguém tenha o mal gosto, nestas circunstâncias, de teorizar justificativas sobre se merecíamos passar por esse trato. Depois de momentos de aflição, de nos reencontrar na confusão para tentar encontrar palavras para a humilhação e a injúria dessa gente que comanda (agora sim, o verbo faz sentido) a Universidade e que não podia não saber que ali acontecia a assembleia da ADUSP, decidimos fazer de tudo para tentar que a Faculdade não fosse invadida e não houvesse mais confronto.

A Diretora, Sandra Nitrini, dando um verdadeiro exemplo de quem se importa sim pela instituição que dirije, esteve tempo todo ali. Muitos dos professores presentes, junto com a Diretora, tentamos convencer os alunos (muitos) de que se reunissem no hall e não na Av. Luciano Gualberto. Em todo esse tempo, Suely Vilela não atendeu um só telefonemas dos muitos que foram feitos.

 Estão  presentes aqui um deputado e vários vereadores (desculpem, esqueci os sobrenomes deles), um dos quais conseguiu uma reunião com o Vice-Reitor, Franco Lajolo, convidando representantes das 3 categorias. Os docentes que estávamos (muitos, porque vários que não estavam, na Assembleia chegaram depois), decidimos que por parte dos docentes, participasse com uma comissão. Os estudantes em assembleia por enquanto decidiram não ir, mas  a comissão de professores decidiu ir igual e leva uma única proposta: chega desta vergonha, nem um policial no Campus.

O sentimento geral dos que estamos e estivemos aqui, nós, colegas de vocês,  corridos dentro de nossa própria Faculdade com gás lacrimogêneo, é que esta injúria precisa ser o fim de um caminho e alguém tem que ter a decência de sair de um lugar de poder que faz tempo que não lhe corresponde. Talvez o fato de que quem está tentando (ou aceitando?) falar com a comunidade é o Vice-Reitor, seja um sintoma de que chegou o final da  "gestão" que temos sofrido. Esperamos sinceramente que assim seja, quando o gás lacrimogêneo se disperse e a tropa saia. Posso usar esse plural porque entre nós, pelo menos todos que vi, ainda os mais moderados, havia uma grande coincidência nisso.

Estamos aguardando o resultado da conversação com Lajolo para o que agora preocupa todo mundo: a polícia no campus.

A Assembleia dos docentes será retomada amanhã, às 10h, na Geografia.

  Um abraço

Prof. Dr.  Adrián Fanjul."

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Relato do Profº Pablo Ortellado (EACH-USP) sobre a barbárie ocorrida na Cidade Universitária da USP.

O seguinte relato nos foi enviado pelo professor Pablo Ortellado, da EACH-USP, em mensagem encaminhada pelo professor Marcelo Modesto (FFLCH), também presente na manifestação pacífica que resultou em confronto violento na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo - USP.

Abaixo, o texto na íntegra (grifo nosso):

"Urgente e importante: tropa de choque na USP

Prezados colegas,


Eu nunca utilizei essa lista para outro propósito que não informes sobre o que acontece no Co (transmitindo as pautas antes da reunião e depois enviando relatos). Essa lista esteve desativada desde a última reunião do Co porque o servidor na qual ela estava instalada teve problemas e, com a greve, não podia ser reparado.

Dada a urgência dos atuais acontecimentos, consegui resgatar os emails e criar uma lista emergencial em outro servidor. O que os senhores lerão abaixo é um relato em primeira pessoa de um docente que vivenciou os atos de violência que aconteram poucas horas atrás na cidade universitária (e que seguem, no momento em que lhes escrevo – acabo de escutar a explosão de uma bomba). Peço perdão pelo uso desta lista para esse propósito, mas tenho certeza que os senhores perceberão a gravidade do caso.

Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores haviam deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação, que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.


Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de "efeito moral" porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas). Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.


Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado).

Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira), autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário.

Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais.

Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.


Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo"