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domingo, 21 de junho de 2009

Comparato: A autonomia universitária é uma farsa [entrevista]

20 DE JUNHO DE 2009 - 19h06

Um dos intelectuais mais respeitados do país, Fábio Conder Camparato critica a presença da Polícia Milistar no campus da USP e afirma que os serviços públicos no Brasil são entendidos como um 'ralo por onde somem os recursos'. Para ele, a autonimia universitária é uma farsa e as instituições de ensino no país não agem de maneira republicana.

O jurista sofreu uma decepção na última quinta-feira (18). Ao chegar para a avaliação de uma tese de Mestrado, o professor deparou-se com as portas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco cerradas.

Por decisão do diretor João Grandino Rodas, o histórico prédio ficou fechado ao longo do dia por temor do que poderia ocorrer durante a passeata de estudantes, funcionários e professores de USP, Unesp e Unicamp.

Depois de subir ao caminhão de som dos manifestantes e afirmar que a reitora da USP, Suely Vilela, não tem mais confiança dos "dirigidos" para permanecer no cargo, o professor conversou com a reportagem da Rede Brasil Atual sobre a situação da Universidade – jornalistas de outros veículos acompanharam a conversa.

Para o jurista, a reitora, que deveria ser representante da comunidade universitária, comporta-se como secretária do governador José Serra, que utilizou a Polícia Militar como capangas do estado de São Paulo ao reprimir manifestação semana passada na Cidade Universitária.

Sobre a administração estadual, Fábio Konder Comparato aponta abuso no uso de publicidade como forma de promover eleitoralmente José Serra e destaca que tal propaganda vai contra a Constituição.

Há dois anos, o jurista foi vítima da aposentadoria compulsória, adotada para professores das universidades estaduais paulistas que atingem os 70 anos. Para ele, trata-se da "expulsória".

Ainda assim, o professor mantém estreita relação com a academia e desenvolve atividades nas áreas de Direito Comercial e dos Direitos Humanos, nas quais esteve focado ao longo dos últimos anos.

Como o senhor viu o fechamento do prédio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco?

Eu acho que nunca aconteceu na Faculdade de Direito. É um ato insólito porque, se os diretores de faculdade e a reitora se queixam da greve, eles deveriam também se manifestar contra o lockout. Isso é exatamente o oposto da greve, é o lockout, que é quando uma empresa fecha as portas e não deixa entrar os operários. É o que aconteceu aqui e eu fiquei muito envergonhado como professor. Eu fiquei literalmente surpreso com essa decisão, que não tem a meu ver nenhum apoio nos princípios republicanos que devem reger a Universidade.

Como o senhor acompanhou os fatos da semana passada?

O que é grave é que a Polícia Militar, que é composta por oficiais e soldados dignos, dedicados, começa a ser utilizada como um grupo de capangas do governador do estado e da reitora da Universidade. Isso é humilhante não só para a Universidade, mas também para os oficiais e soldados. Eles têm que exercer o papel mantendo a segurança e a ordem pública.

São Paulo é uma cidade absolutamente desordeira e submetida ao banditismo mais desbragado. Não sei se as pessoas se dão conta, mas de um ano para cá o número de furtos de veículos crescem em 300%. Oras, é evidente que, para reprimir isso, é preciso saber utilizar a Polícia Militar, e não simplesmente concentra-la no campus da USP para atacar estudantes, professores e funcionários. É uma inversão de objetivos.
O serviço da polícia não pode ser utilizado desta forma. Isso é um abuso de poder por parte do governo do estado.

O senhor entende que os fatos feriram o conceito da Universidade como instituição autônoma?

Sem dúvida. Aliás, a autonomia da Universidade é uma farsa, a começar pelo aspecto financeiro. O artigo 207 da Constituição declara as universidades autônomas sob o aspecto didático-científico, financeiro e administrativo, e o que se verifica é que sob o aspecto financeiro a Universidade é tratada como se fosse uma simples fonte de gastos. Ou seja, para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro.

Para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro

A economia nós faremos restringindo a propaganda governamental. O governador do estado faz propaganda da sua gestão, indo contra a Constituição, e ele resolve fazer economia em serviços públicos. Isso é um escárnio. É preciso que se diga claramente que o Ministério Público Estadual é culpado por não atacar essa propaganda governamental que é feita com dinheiro do povo simplesmente para beneficiar o governador de plantão.

O artigo 37 parágrafo 1º da Constituição proíbe a publicidade oficial em tom de propaganda ou para projetar a figura oficial de políticos, e é o que se faz de alto a baixo em todos os estados da federação.

O senhor falou que a reitora perdeu a confiança da comunidade. Uma vez posto isso, qual o caminho a ser seguido?

Infelizmente, o Estatuto da USP não abre um caminho. É por isso que tem que ser mudado. A reitora da Universidade não é eleita pelo Conselho, ela é nomeada pelo governador. Claro, a partir de uma lista tríplice, mas essa lista é formulada por uma maioria esmagadora de professores. Os estudantes e funcionários são subrepresentados no Conselho Universitário.

E, além disso, no momento em que ela perdeu a confiança de todos, ela não pode ser destituída. Nem o governador pode a rigor destituí-la, porque ela é nomeada por tempo certo.

Isso não é democracia. Até agora, funcionou porque a exigência democrática na sociedade brasileira era muito fraca. Mas a nova geração não se conforma com isso. A minha geração ainda achava que a elite é que deveria governar e que o povo é ignorante e incompetente. Hoje, graças a Deus, essas noções vão desaparecendo.

O povo sabe que não é idiota e sabe que é explorado, que não tem condições de manifestar sua soberania. Qual o fundamento da democracia? Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. Os reitores de universidades não são representantes do povo universitário, e isso é de uma verdade mais do que evidente.

Então, nós temos que continuar pregando a República e a democracia na Universidade mesmo quando não há chance para que nossa pregação seja ouvida. Aos poucos, nossas reivindicações vão penetrando nas consciências, e quando a maioria se convencer que nós vivemos um regime político imoral, explorador e desordeiro, esse regime estará com os dias contados. Infelizmente, não será para o meu tempo.

Os fatos da semana passada podem marcar um momento de inflexão dentro da luta por democracia na Universidade?

Eu espero que sim, mas é preciso não perder de vista o seguinte: toda vez que a imoralidade e a violência irracional crescem na sociedade, a direita se torna mais forte. A direita espera sempre que haja alguém forte e decidido para tomar conta do Estado. E é o que está acontecendo. Há um grupo forte de estudantes que não acredita mais em democracia e nunca acreditou em República e está esperando algo como um fascismo tupiniquim.

Eu não tenho raiva deles, pelo contrário, considero como meus filhos e, de certa maneira, eu sei que eles estão errados. Nós erramos ao deixar de lutar eficazmente pela democratização da Universidade, nós erramos ao sermos condescendentes com a corrupção, e agora estamos pagando o preço disso.

Por outro lado, a verdadeira esquerda não é anárquica ou destruidora. A verdadeira esquerda é aquela que se liga indissoluvelmente aos pobres, aos humilhados e aos oprimidos.

E é por isso que quando surge uma figura como o Lula, que está longe de ser perfeito, mas que tem sensibilidade pelo pobre e que fala a linguagem do pobre, ele é não só acolhido como ele é venerado. E isso irrita profundamente a direita e a esquerda.

Neste momento de greve, sempre há quem queira desmerecer as decisões tomadas em assembleias.

Olha, as eleições no Brasil e em vários outros países não são uma manifestação de soberania. O povo não consegue impor a sua vontade unicamente elegendo representantes. Para que possa impor sua vontade, seria preciso, em primeiro lugar, que além de eleger, tivesse o poder de destituir.

Isso se chama recall. Isso existe em 15 estados dos Estados Unidos. No momento em que o povo soubesse que ele pode eleger, mas que pode também destituir, a política mudaria de figura.

Em segundo lugar, o povo precisa ter o direito de se manifestar sobre temas econômicos, políticos e sociais diretamente. É preciso abrir o referendo e o plebiscito. O Congresso Nacional impede isso porque é contra o clube deles, tanto de esquerda quanto de direita.

Analisando em termos gerais, vê-se uma reação da sociedade opondo-se fortemente às ações estudantis, tidas como radicais. Qual o papel que a Universidade vem desempenhando na sociedade para que se acabe alastrando esse tipo de opinião?

O grande problema é que a Universidade, todas as universidades públicas de modo geral, talvez com honrosas exceções, agem com objetivos não-republicanos. Ou seja, como se fosse um assunto privado. Professores se ocupam com a sua carreira, funcionários com a sua carreira, estudantes com o seu diploma.

Esta faculdade está no centro de uma metrópole cujo peso de pobreza e de miséria é imenso. A cem metros daqui, nós podemos entrar em um cortiço onde as pessoas alugam cama por algumas horas. E sobretudo no frio, agora no inverno, fazem questão de alugar uma cama de alguém que acabou de sair porque ela está quentinha.

A Faculdade de Direito, que está aqui no centro da miséria, cujas portas se abrem toda manhã com dezenas de pedintes, de miseráveis que dormiram ao relento, a faculdade não se preocupa com isso.

Não há nenhum professor que dê como trabalho prático aos seus alunos cuidar de contratos de locação dos cortiços aqui do centro. Quer cuidar disso? Vai ver como se aluga cama durante oito horas e, portanto, dá três aluguéis por dia.

Quando se trata de discutirmos problema de direito do trabalho, por que não enviar os alunos até quem precisa?

A Universidade pública existe para quê? Qual o objetivo dela? Ela é financiada sobretudo pelos pobres, que não têm o menor retorno da Universidade. É claro que eles têm raiva. Agora, no dia em que as universidades se voltarem para os direitos dos pobres, aí eu quero ver as classes abastadas dizerem que a Universidade só faz desordem e que ela depreda, que ela atinge a Polícia Militar.

O problema brasileiro, fundamental, já foi dito na primeira metade do século XVII pelo primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador: nenhum homem nesta terra é republico nem zela e trata do bem comum, se não cada um do bem particular.

Com informações da Rede Brasil Atual.

sábado, 20 de junho de 2009

USP: Diálogo ou monólogo? [da Folha de São Paulo]

CAIO VASCONCELLOS e ILAN LAPYDA   

A reitoria fechou os canais de negociação. Isso expressa seu caráter autoritário e é coerente com a estrutura de poder da USP, infelizmente

APÓS MAIS de uma semana de presença da Polícia Militar no campus da USP,  a política repressiva da reitora Suely Vilela culminou na batalha campal de 9 de junho.
O conflito que se deu depois do fim da manifestação pela retirada da PM não se limitou ao portão principal, mas se estendeu até a parte central do campus, algo que não se via desde a ditadura militar: bombas de gás e de concussão, balas de borracha, prisões e um saldo de policiais, estudantes, professores e funcionários agredidos e feridos. É fundamental, pois, avançarmos no debate sobre a questão.
A reitoria fechou os canais de negociação com os movimentos da USP, deslegitimando a política como esfera de solução de conflitos e recorrendo a uma força externa de repressão.
Essa opção, que expressa seu caráter autoritário, infelizmente coerente com a estrutura de poder da USP, possui a especificidade de ser uma reação às atuais pressões externas e internas por democracia.
A USP tem enorme concentração de poder: apenas os professores titulares são elegíveis ao cargo de reitor, e este é eleito praticamente só por professores titulares. O colégio eleitoral do segundo turno, que de fato elege o reitor, restringe-se a cerca de 300 membros, dos quais 85% são professores (desses, mais de 90% são titulares), menos de 15% estudantes e apenas 1% funcionários.
Além disso, os membros do Conselho Universitário, instância máxima de decisão da USP e presidido pelo reitor, são em sua maioria professores titulares (cerca de 75%), muitos dos quais diretores de unidade -e, portanto, escolhidos pela reitoria.
As decisões mais importantes da universidade ficam concentradas nas mãos desses professores, que, segundo dados da USP, somam menos de 1% da comunidade universitária.
São números que relativizam as críticas de quem questiona a legitimidade das assembleias da Adusp (Associação dos Docentes da USP), do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) e do movimento estudantil para se furtar ao debate político.
Além do fator estrutural, há um movimento crescente de autoritarismo que torna mais opacas as decisões políticas na USP.
Desde maio de 2008, as reuniões do Conselho Universitário não têm ocorrido em seu devido local, no prédio da reitoria, mas no Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), área com proteção militar e não pertencente à USP.
Ao todo, cinco reuniões foram realizadas no Ipen. Em duas delas, os representantes estudantis e dos funcionários não foram avisados da mudança de local, o que resultou na aprovação do orçamento para 2009 e na reforma do estatuto da USP sem as suas presenças, além de outros graves problemas procedimentais na votação.
Tais ilegalidades estão sendo contestadas na Justiça, por meio de um mandado de segurança articulado pela Associação dos Pós-Graduandos da USP-Capital e impetrado por alguns representantes discentes (processo 053.09.012697-4). Ou seja, estamos "explorando a legislação vigente", ao contrário do que sugeriu o professor José Arthur Giannotti neste espaço na última quinta-feira.
Fatos dessa gravidade, aliados a outras formas de obstrução da já reduzida participação dos representantes discentes (RDs) nos conselhos decisórios, explicitam o que são as "vias institucionais" da USP.
Além de dispensar tratamento de segunda classe aos RDs, a Secretaria-Geral da USP, desde o início do ano e após seis pedidos formais de homologação, recusa-se a empossar os representantes da pós-graduação, baseando-se em uma nova interpretação "sui generis" e descabida do regimento interno da universidade.
Assim, depreende-se facilmente a falácia do conceito da reitora de "diálogo" e "convivência social pacífica".
Não seria a reitora, bem como o grupo do Conselho Universitário que legitima suas medidas por meio de "resoluções", o pivô da violência e da violação -das instituições, da democracia e da política-, ao se esconder em área militarizada e militarizando o campus para não se abrir ao debate?
Como a reitora, com a conivência da maior parte do Conselho Universitário, orquestra votação de temas fundamentais impedindo a presença da representação estudantil?
O atual clima de horror é incompatível com as funções de reflexão crítica e produção científica independente. A USP deveria ser o espaço do diálogo efetivo, e é ele que deve mediar os legítimos conflitos políticos.
Se a democracia está travada e a violência parte da reitoria, ao se furtar ao debate e recorrer à repressão policial, fica claro que Suely Vilela não possui condições nem competência de se manter no cargo e que a atual estrutura de poder tem de ser radicalmente transformada.

CAIO VASCONCELLOS, 27, e ILAN LAPYDA, 25, formados em ciências sociais, são mestrandos em sociologia na USP e coordenadores da Associação de Pós-Graduandos da USP-Capital, que ratifica este texto.

"O atraso no espelho", sobre a greve na USP, do professor Eugênio Bucci, da ECA.

Eugênio Bucci* -

Fratura exposta. A evolução das tensões na Cidade Universitária, centro da mais prestigiosa, mais influente e mais produtiva instituição de ensino superior no Brasil, deixa transparecer as mazelas, as fraquezas e as debilidades da instituição. É uma pena. Conforme o ângulo, às vezes é um vexame. 

Vexame número 1: uma tropa de policiais sai disparando balas de borracha e distribuindo bombas de gás lacrimogêneo e de efeito (i)moral contra estudantes, professores e funcionários. A Polícia Militar (PM) trata a Universidade de São Paulo (USP) como se ela fosse um presídio rebelado.

Vexame número 2: o movimento grevista dos funcionários imagina que consegue sustentar-se na base de piquetes que, em lugar de convencer pela argumentação, intimidam por meio de barreiras físicas. Enquadra-se, voluntária e festivamente, no estereótipo das "minorias radicais", dessas que só veem o próprio umbigo.
Vexame número 3: a cúpula da universidade, encastelada em órgãos de poder ultrapassados, que não representam o conjunto da comunidade, adota o discurso "da lei e da ordem", num tom que faz lembrar velhas histerias autoritárias. Em nome dessa "lei" e dessa "ordem", convoca agentes de metralhadora a tiracolo para reprimir manifestações de gente descontente e desarmada. Mais ainda, convoca-os para se manterem no câmpus pelos dias subsequentes, como se a universidade precisasse de cassetetes ostensivos para levar sua vida normal.

Vexame número 4: de outra parte, quase todos os que repudiam a presença da força bruta (e armada) na universidade fecham os olhos para a notória ausência de representatividade do movimento grevista, que, apesar de toda a barulheira, só conseguiu paralisar áreas isoladas. A imensa maioria da comunidade segue com seus afazeres regulares, indiferente a tudo isso. Se a falta de legitimidade do sindicalismo universitário é um problema, o silêncio obsequioso em torno dela é, sim, um vexame.

Vexame número 5: é verdade que há bons alunos engajados no movimento, mas há, também, excelentes alunos e professores que desprezam acintosamente as reivindicações de seus colegas, que ignoram as assembleias e não tomam conhecimento do debate. Nesse caso, o vexame resulta da omissão. Enquanto a USP se convulsiona, muitos dos seus melhores mestres preferem nem ligar, como se as paralisações e ocupações mantidas por algumas dezenas de sindicalistas fossem tempestades sazonais, que nos aborrecem durante uma época do ano e depois passam. Sem se dar conta, esses professores exprimem a mais rebuscada forma de alienação que a vida acadêmica pode produzir.

Dentro do cenário que, no todo, é um festival de despreparo, cada um alardeia sua razão individual.
A polícia dirá que foi provocada e por isso agiu com dureza – o que talvez proceda, mas não deveria ser justificativa, jamais: representantes do Estado não podem reagir emocional e desproporcionalmente a provocações da juventude.

A Reitoria, empenhada em fazer amigos e influenciar pessoas, dirá que chamou os homens da lei porque tem o dever de proteger o patrimônio da universidade – dever que ela tem, de fato, mas pergunte-se: não existiria um caminho menos traumático?

Os grevistas argumentarão que ganham pouco – o que também é verdade: os professores da USP, por exemplo, têm salários menores do que seus colegas das universidades federais. Agora, será que não existe um método mais efetivo para se formular e negociar a pauta de reivindicações?

As razões de cada um, corporativistas e surdas, produzem, no seu conflito, a irracionalidade geral. A USP vive uma crise (uma fratura) bem maior que o mero enfrentamento entre sindicalistas intolerantes e uma Reitoria que, por sua constituição orgânica, pela forma como é escolhida, encontra-se desaparelhada para promover o diálogo na comunidade. O mal-estar não deve ser imputado a essa ou àquela pessoa. Trata-se de um mal-estar do próprio modelo: sindical, de um lado, e institucional, de outro.

Na USP de hoje, quem se bate são as mentalidades de ontem. O atraso olha-se no espelho. Num polo está esse sindicalismo cujas fantasias datam dos anos 1960. Para ele, o gozo supremo parece ser o esporte de jogar pedras nos capacetes da tropa de choque, esporte que agora já não oferece riscos. No outro polo entram os órgãos colegiados que abriram mão de se atualizar e supõem que os professores titulares detêm, sozinhos, tudo o que é preciso saber para decidir os rumos da instituição. Um polo se alimenta do outro e nenhum dos dois tem a chave da porta que precisa ser aberta. Com ambos é preciso romper.

Rever o modelo de gestão da USP é um imperativo urgente. É preciso reformar os órgãos de decisão e o regime administrativo. Claro que isso só pode ocorrer com o envolvimento de mais professores e mais funcionários, principalmente daqueles que fazem de conta que o mal-estar não é com eles. O mesmo esforço, se ocorrer de fato, tenderá a renovar as entidades sindicais, obrigando-as a se preparar para o debate sobre o futuro da USP. Sem isso a mais prestigiosa, mais influente e mais produtiva instituição de ensino superior no Brasil poderá perder sua liderança. Ficará para trás.

Sou professor da USP. Senti uma sufocante humilhação quando vi, em vídeo, as cenas de violência entre policiais e manifestantes na Cidade Universitária. Foi como se eu mesmo estivesse ali, apanhando. Não aceito a violência, mas não é por isso que vou bater palmas para um movimento sindical cheio de vícios e dizer que a culpa de tudo é da Reitoria. A responsabilidade é de todos nós que não temos sido capazes de, coletivamente, articular um projeto de universidade. A pancadaria no câmpus apenas rasgou o tecido das aparências – e expôs a fratura que já estava lá.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.

http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup389397,0.shtm

[INFO Online] Por que os grevistas são contra e-learning?

Paula Rothman, de INFO Online Sexta-feira, 19 de junho de 2009 - 19h30


Por que os grevistas são contra e-learning?

quinta-feira, 18 de junho de 2009

UNIVESP adiada para 2010! [da Folha de São Paulo]

USP adia ensino a distância para 2010
Principal motivo é um impasse entre a universidade e a Secretaria de Ensino Superior sobre o modelo do programa.
Professores afirmam que pasta teria todo o controle do curso; secretário diz que projeto foi aprovado por comitê formado por docentes


FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio à greve de professores, funcionários e alunos, a USP adiou o início da primeira graduação a distância da universidade, a de licenciatura em ciências. O vestibular seria em agosto, com aulas no mês seguinte, mas deve ficar para 2010. O fim do projeto de cursos a distância é uma das bandeiras dos grevistas -para eles, o modelo não tem a qualidade do ensino presencial.

A Folha apurou que o principal motivo do adiamento é um impasse entre a universidade e a Secretaria de Ensino Superior sobre o modelo do projeto. A discordância, dizem professores que participam do programa, ocorre desde antes da paralisação, iniciada em maio.

A USP não divulgou oficialmente o adiamento, mas os docentes foram taxativos ao indicar a impossibilidade de início em 2009. O próprio secretário de Ensino Superior, Carlos Vogt, vê como "improvável" a manutenção do calendário.

A previsão é que o curso seja implementado por meio de convênio, ainda não assinado, dentro da Univesp - que reúne as universidades públicas para oferecer cursos a distância, sob coordenação da secretaria.
A Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) é o principal programa da pasta, criada pelo governador José Serra (PSDB) no início do mandato. Também é um dos projetos mais importantes do Executivo para qualificar os professores do ensino básico.

O financiamento do curso ficaria a cargo do governo - R$ 12 milhões por cinco anos, com 360 vagas anuais.
Segundo a Folha apurou com docentes do programa, a USP não concorda com o formato exigido pela pasta. Entende-se que há "ingerência" e "interferência" do governo.

A queixa é que o projeto pedagógico teria de ser aprovado pela secretaria, que poderia também usá-lo para oferecer em outros cursos. Afirmam também que os dados ficariam hospedados em servidores do governo. Assim, dizem, a secretaria teria todo o controle do curso, que é debatido na universidade desde 2004.
Uma hipótese levantada na USP é que o curso saia da Univesp e apenas seja bancado pelo governo (sem precisar atender aos termos do programa). Outra é a própria universidade custeá-lo. Ainda assim, as aulas não começariam neste ano.

Compromissos

O secretário Vogt admite que o calendário inicial não será cumprido. "Na melhor das hipóteses, as aulas poderiam começar no final do ano. Mas teríamos de chegar a um acordo sobre o convênio até o mês que vem, o que não é provável."

Segundo ele, o curso deve começar no ano que vem. "Não há questão substancial que impeça a oferta do curso", disse Vogt, que não quis detalhar quais são os impasses.
Ele, porém, rebateu as reclamações dos docentes. Diz que o projeto foi aprovado pelo comitê diretivo da Univesp, formado por professores das universidades, inclusive os reitores.
Afirmou também que a pasta não pretende se apoderar do conteúdo e que os dados ficariam no sistema do governo apenas para monitoramento.

Em nota, a reitoria da USP diz que "o curso depende do estabelecimento de convênio com a secretaria, que garanta o financiamento das atividades e infraestrutura necessária, com vistas à qualidade que permeia os cursos na universidade".

A Unesp, que vai oferecer 5.000 vagas para pedagogia na Univesp, afirma que o projeto está dentro do cronograma e deve começar neste ano.

Da Folha de São Paulo.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1806200911.htm [apenas para assinantes]

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Violência na USP - Texto de Marcos Nobre na edição de 16/06/09 da Folha de São Paulo

ANÁLISES da violência da última semana na USP falaram em nome da democracia. Tanto quem apoiou como quem condenou o recurso à força policial apelaram para a Constituição Federal e para o Estado democrático de Direito. Esse apelo comum mostra consolidação e vivacidade da Constituição e da democracia no país. Mas só quer dizer alguma coisa se ficar claro o que realmente está em jogo nesse caso.

E o que está em jogo certamente não é a ação policial. Ela é sintoma, não causa. O fundamental é saber por que afinal a polícia foi chamada. Dizer que uma intervenção da polícia hoje é diferente de outra praticada durante a ditadura militar é dizer o óbvio. Dizer que a ação da polícia pretendia simplesmente restaurar a ordem ignora que todo o problema está justamente nessa ordem a ser restaurada.

No Brasil, as universidades foram espaços fundamentais de resistência à ditadura militar. Tentavam se organizar como refúgios em que se procurava produzir em escala reduzida o que se pretendia expandir um dia como um ambiente de convivência democrática mais amplo. Um requisito crucial era o de manter a polícia o quanto possível longe desse experimento.

A ditadura foi pouco a pouco derrotada. Instituições democráticas se firmaram. Mas esse não é um processo uniforme rumo ao melhor: basta ver a podridão exposta do Congresso Nacional. Também não é um processo automático: a mera existência de instituições democráticas não garante que a sociedade como um todo se tenha democratizado.

O que torna o conflito na USP mais amplo do que os muros da escola é justamente o fato de revelar quão baixo ainda é o nível de democratização da sociedade brasileira. O episódio mostra com clareza que energias de protesto e de mudança continuam represadas em universidades, sem encontrar canais efetivos de expressão na esfera pública e na política institucional.

A USP tornou-se um emblema desse nó social por insistir em manter uma estrutura de participação e uma forma de escolher dirigentes que se parece mais com o conclave que elege o papa. Continua a preservar a estrutura de uma universidade de cátedras, modelo rejeitado pela própria USP há mais de 40 anos.

A recusa em proceder a uma reforma estrutural aprofunda cada vez mais o isolamento da administração em relação à comunidade da universidade, visível há mais de uma década. Produz atritos internos que rapidamente degeneram em conflitos artificiais. O apelo à intervenção policial é o último recurso de um grupo dirigente divorciado da própria universidade.

nobre.a2@uol.com.br

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MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna. [+coluna]


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/corrida/cr1606200908.htm
[apenas para assinantes]

Grevistas exigem fim de curso para professor - do Estadao.com.br

Aula a distância para docente da rede pública entrou na lista de reivindicações

Simone Iwasso

SÃO PAULO - Entre as bandeiras de reajuste salarial, aumento de benefícios e mais recursos para permanência estudantil, o movimento grevista da Universidade de São Paulo (USP) incluiu em suas reivindicações o fim de um projeto que está começando a se concretizar: a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Idealizada pelo secretário de Ensino Superior, Carlos Vogt, ex-presidente da Fapesp e ex-reitor da Unicamp, ela pretende usar a chancela das três universidades estaduais paulistas para oferecer cursos semipresenciais para professores, de preferência da rede pública. O projeto é também uma das principais ações da pasta, polêmica desde sua criação, e não deixa de ser uma alternativa paulista ao programa de formação do Ministério da Educação (MEC), que tem como um de seus pilares a Universidade Aberta do Brasil, também com cursos semipresenciais.

Criada no fim do ano passado por decreto do governador José Serra (PSDB), este ano a Univesp começou a ganhar forma. A Unesp anunciou a criação de um curso semipresencial de Pedagogia, com previsão de início no segundo semestre. O curso foi aprovado em dezembro pelo Conselho Universitário da instituição. Em fevereiro, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação de um curso de Licenciatura em Ciências semipresencial, com vestibular marcado para 2 de agosto. Serão oferecidas 360 vagas e professores da rede pública da educação básica, público alvo do curso, receberão bônus na nota final. O início das aulas está previsto para o dia 21 de setembro.
O curso da USP funcionará nos câmpus da capital (90 vagas), de São Carlos (90 vagas), de Piracicaba (90 vagas) e de Ribeirão Preto (90 vagas). Parte das aulas será ministrada presencialmente aos sábados – será usado o sistema de videoconferência. O restante do conteúdo deverá ser acompanhado pela internet. A duração será de quatro anos.

O grande objetivo desses cursos, e sua importância, segundo os defensores, é que, ao associar aulas presenciais nos polos da universidade com o acompanhamento pela internet, por meio de plataformas virtuais, é possível preparar professores que já atuam na rede, mas não têm formação adequada. Os críticos da iniciativa questionam o método semipresencial, vendo nele uma falta de infraestrutura e qualidade. Procurado pelo Estado, o secretário Carlos Vogt não se pronunciou sobre o tema.

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,grevistas-exigem-fim-de-curso-para-professor,387771,0.shtm

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Inverno de nosso descontentamento, artigo do professor Osvaldo Coggiola

Texto na íntegra, recebido do amigo Diego Navarro:

"O INVERNO DE NOSSO DESCONTENTAMENTO

Osvaldo Coggiola

Na sua edição de 11 de junho, a página 3 da Folha de S. Paulo, chamada "Tendências & Debates", negou seu próprio nome, pois apresentou dois artigos da mesma tendência e, em conseqüência, nenhum debate. Os seus autores foram a Reitora da USP, Profa. Suely Vilela, e o professor emérito da FFLCH, José Arthur Giannotti. O tema: o conflito da USP e, em especial, os acontecimentos de 9 de junho.

Para a Reitora, todo o problema reside em que "minorias radicais pretendem manter a universidade refém de suas idéias e métodos de ação política, fazendo uso sistemático da violência para alcançar seus fins". O problema seria antigo, pois "há 20 anos um mesmo grupo de militantes políticos profissionais domina alguns movimentos na USP". A Reitora deve saber que, no Brasil ou na USP, a militância política não está proibida; sua condenação dirigir-se-ia, portanto, ao "profissionalismo" da mesma, o que indicaria uma preferência sua pelo amadorismo (seus três anos de gestão à frente da USP corroborariam plenamente essa suposição).   

 

O Prof. Giannotti reconhece a gravidade dos acontecimentos de 9 de junho ("Felizmente só houve feridos", nos diz, o que significa, corretamente, que poderia ter havido mortes), e estende a culpabilidade pelos mesmos à "indiferença da maioria dos atores (que) termina criando espaço para os ditos "radicais"", ou seja, mesmo réu, mais cúmplices. A solução, para o autor, seria que os cúmplices deixassem de sê-lo, para "explorarem as ambigüidades da legislação vigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nas leis pelas leis", o que admite diversas interpretações, a mais óbvia das quais seria a de que os movimentos sindicais deveriam ser liderados por juristas expertsem ambigüidades legais. Piadas à parte, o Prof. Giannotti deve seguramente ignorar que essa "exploração" constitui o pão nosso de cada dia de cada professor, funcionário ou aluno que se propõe, na USP ou na universidade pública, fazer algo a mais do que obedecer a cartilha burocrático/privatista hegemônica.

Condescendente, a Reitora admite que "tudo indica que, de modo geral, intelectuais e cientistas têm dificuldades em lidar com a violência quando esta se expressa no âmbito dos conflitos políticos e, especialmente, em eventos nos quais estamos diretamente envolvidos". Somos também informados que, felizmente, "alguns de nós se dedicam ao estudo da crescente violência na sociedade brasileira atual, e avançamos muito na compreensão desse fenômeno". Infelizmente, entretanto, não somos informados acerca da identidade desse grupo de estudiosos, e menos ainda de suas conclusões, que lhes permitiriam "lidar sem dificuldades" com a violência, o que poria o Brasil (e, especialmente, a USP) na vanguarda mundial da pesquisa a respeito. Se a ação da PM de 9 de junho foi produto desses "estudos" devemos suspeitar, porém, que eles não primam pela originalidade.

Os acontecimentos de 9 de junho, segundo a Reitora, foram devidos a que "reduzido grupo de ativistas presentes na manifestação que se desenvolvia pacificamente, decidiu partir para provocações seguidas do confronto físico com os policiais", os quais, "provocados" (!), atacaram - com bombas de efeito moral, balas de borracha e cassetetes - o "reduzido grupo", os manifestantes todos, e toda pessoa ou coisa que se movimentasse, no percurso entre a rua Alvarenga e o prédio de História/Geografia, bastante longo. Para o Emérito Giannotti, "tendo os estudantes se associado a grupos baderneiros, não cabia à reitora chamar a polícia para garantir o patrimônio público?", premissa a partir da qual chegou-se a que quando "estudantes, funcionários e professores se manifestavam contra a presença da polícia no campus... alguns extravasaram os limites do bom senso, acuando a polícia, que, reforçada, reagiu com violência". Na mesma edição da Folha, a Profa. Maria Hermínia Tavares de Almeida, do Departamento de Ciência Política da FFLCH, entrevistada, coincidiu: "Na televisão, parece que os manifestantes foram atacados sem razão. Mas eles provocaram" (Informe de dirigente do Sintusp à assembléia da Adusp afirmou que, ao contrário, as provocações partiram da PM, especificamente contra as mulheres manifestantes, provocações acompanhadas – detalhe para nada secundário – da exibição de armas com poder letal).

A certeza absoluta, bastante imprudente, da Reitora, do Emérito e da Cientista, não revela, além disso, o teor das "provocações" que teriam "acuado" à PM (Teriam os manifestantes, ou um "grupo" deles, feito perigosos gestos obscenos contra os policiais? Ou, talvez, gritado de modo ensurdecedor, ao ponto de seus insultos penetrarem capacetes especialmente desenhados para impedir a passagem de altos decibéis?) nem estabelece qualquer (des)proporção entre a suposta "provocação" e a reação policial, tarefa que, no mesmo caderno da Folha, fica reservada para o Governador José Serra (a cada um sua tarefa), segundo o qual "a Polícia Militar não exagerou no confronto". (*)

A Profa. Tavares de Almeida reconhece que "os salários da USP não são excepcionalmente altos", pensando seguramente nos salários docentes. Os salários dos funcionários, com raras exceções, são simplesmente baixos. Afirma, porém, que não se poderia "começar uma negociação sobre salário invadindo o prédio da direção da universidade", o que é uma informação falsa. Na USP há 15.221 funcionários técnico-administrativos, sem contar os aposentados (que também fazem parte da folha de pagamentos). Os salários dos docentes (5.434), em especial em início de carreira, são também baixos, em relação à qualificação básica (doutorado).

Poucas empresas ou indústrias do estado têm tal quantidade de funcionários, nenhuma os têm tão concentrados. Nessas condições, só se poderia extirpar a luta de classes na universidade mediante o recurso sistemático à polícia, ou governando sob Estado de Sítio, em nome, claro, da função precípua da universidade, produzir e transmitir conhecimento. É o sous-entendu de alguns discursos que parecem invejar a "paz" da "uniberçydade pribada", com seus brilhantes dirigentes, elevado nível de ensino, pesquisa avançada e dotada de vastos recursos (extraídos dos lucros delirantes não-taxados das mantenedoras), democracia na discussão, e preocupação social (com as exceções de praxe).

Folha nos informa também que já temos, na USP, um certo CDIE (Comissão para a Defesa dos Interesses dos Estudantes), composto por estudantes de direito, economia e engenharia, que fez um abaixo assinado contra a greve (ou seja, não contra o piquete, ou qualquer outra ação discutível, mas contra o direito elementar de uma categoria de trabalhadores se organizar em defesa própria), além de realizar, pelo que se sabe, outras ações bem menos pacíficas. Ou seja, que já teríamos um grupo com objetivos, e provavelmente métodos, de natureza fascista. A universidade seria, como outras vezes, um micro-cosmo antecipatório da sociedade em geral.

Não houve nenhuma tentativa de invasão, logo de cara, na campanha salarial (assim como não houve invasão pré-concebida dos estudantes em 2007), mas só um piquete dos funcionários. Cabe supor que nossos cientistas políticos e eméritos não ignorem que, perto dos secondary pickets do movimento sindical inglês, ou dos históricos piquetes móveis do movimento sindical norte-americano – dois países que os apóstolos da "excelência" e da "internacionalização" da USP não cansam de citar como exemplos – os piquetes do Sintusp parecem bailes de iniciantes na Ilha Porchat.

A universidade pública não poderia deixar de ser palco das contradições sociais gerais da sociedade, e de suas expressões políticas, a não ser que se pretenda (ilusoriamente) suprimi-las mediante o tacão policial (suprimindo também, nesse caso, todo debate acadêmico ou científico, e matando com isso a produção e transmissão de conhecimento, crítico ou não – aliás, todo conhecimento é crítico). É por isso que ela só pode ser eficazmente administrada por um governo oriundo da democracia em todos seus níveis de organização. O que os detratores consideram a fraqueza da universidade pública (a expressão aberta, social/sindical, política, ideológico/científica, de seus conflitos internos) é justamente sua força, interna (para produzir conhecimento) e externa (para transformar a sociedade). O autoritarismo só produz administrações incompetentes (sob pretexto de "eficiência"), ensino degradado (agora também "à distância") e pseudo-conhecimento rotineiro, baseado na cultura do produtivismo relatorial – obsequioso.

A democracia não suprime o conflito, nem o "institucionaliza": faz dele a mola propulsora do progresso geral. O autoritarismo, ao contrário, o transforma no fator do impasse geral.

O programa aprovado na assembléia da Adusp fixou os objetivos da luta atual. Não estamos diante de um "conflito elementar" exagerado por administradores incompetentes. O seu alcance é maior, é muito mais o que está em jogo, para a USP, para a universidade pública, para o Brasil.   

     

         Osvaldo Coggiola     

(*) Para que a obra de arte do Governador, da Reitora, do Emérito, da Cientista, e da Folha, ficasse completa, faltava, em nome da "democracia" (diferente, claro, da "ditabranda"), dar a palavra a algum dissidente, no caso o professor, também emérito, Francisco (Chico) de Oliveira, quem afirma, em espaço menor, que o despreparo ("ribeirãopretense") da Reitora transformou um "conflito elementar" num escândalo geral, devido à "decadência das instituições" (da USP): "Há uma crise geral de representatividade. O sindicato dos professores, por exemplo, é fraco. Não há com quem negociar". Chico é favorável à renúncia da Reitora, e reconhece que o piquete dos funcionários "é um direito".


domingo, 14 de junho de 2009

Unicamp entra em greve por solidariedade à da USP

FABIO M. MICHEL - Agencia Estado

SÃO PAULO - A assembleia permanente da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) decidiu hoje por unanimidade entrar em greve por solidariedade aos funcionários, professores e alunos da Universidade de São Paulo (USP). A decisão foi provocada pelos acontecimentos de ontem na USP, quando houve confronto entre os manifestantes e a Polícia Militar (PM). Segundo comunicado oficial da Adunicamp, a greve será mantida "até a retirada do aparato policial da USP e pela reabertura das negociações entre Cruesp e Fórum das Seis." O Cruesp é o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo. O Fórum das Seis é a entidade que reúne os sindicatos de professores e funcionários das três universidades estaduais paulistas - USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Segundo a nota emitida pela Adunicamp, as greves nas universidades nunca tiveram a intenção de levar à violência, e os piquetes feitos pelos manifestantes tentam chamar a atenção das autoridades universitárias para as reivindicações do movimento. "Nada aconteceu de grave que justificasse a intervenção policial. Assim sendo, por que a reitora da USP (Suely Vilela) chamou a polícia para acabar com os piquetes dos funcionários em greve?", questiona a Adunicamp. Ninguém da entidade foi encontrado para comentar a nota. Enquanto isso, a greve continua na USP. Reunida novamente hoje, a Assembleia da Associação dos Docentes da USP (Adusp) decidiu manter a greve até a saída da polícia do campus, pela saída imediata de Suely Vilela da reitoria e pela reabertura das negociações.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

USP: Reitora não tem mais condições de continuar, diz Olgária Matos

USP: Reitora não tem mais condições de continuar, diz Olgária Matos

DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA SP

A filósofa Olgária Matos é professora titular daquela que é considerada a faculdade vermelha da USP, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Aposentou-se em 2003, mas acompanha atentamente a vida da instituição, na qual ingressou como estudante no ano anterior à promulgação do AI-5, em plena ditadura militar.
Considera que "a reitora não tem mais condições políticas de se manter no cargo", mas teme que, de novo, "se derrube o tirano sem tocar nas razões da tirania". Abaixo, trechos da entrevista concedida ontem. (LC)


FOLHA - O que deu errado na terça-feira?
OLGÁRIA MATOS
- É inadmissível que uma manifestação pacífica de estudantes e funcionários tenha de se enfrentar com a polícia dentro do campus universitário. Os manifestantes podiam até ter objetivos criticáveis -ou não-, mas, desde a Academia de Platão até as universidades modernas, esse recinto é o único preservado da violência policial porque é definido como o local que luta contra a violência, contra a barbárie. É o local em que se produz conhecimento, especulações, ciência. O local que faz parte do repertório da humanidade para se humanizar. Então não é o lugar que comporte a ocupação policial contra uma manifestação de estudantes desarmados.

FOLHA - A reitoria alega que a PM foi usada para impedir a depredação do patrimônio público e o desrespeito ao direito de não grevistas…
MATOS
- É preciso garantir o direito de ir e vir de todos os que participam da vida da universidade, é certo. Agora, como se chegou a esse ponto? Parece-me que os canais de contato entre os estudantes e a reitoria ou entre os funcionários e a reitoria estão muito precarizados.
Os funcionários apresentaram uma pauta de reivindicações, o que é algo obviamente legítimo.
Cabe à outra parte discuti-la.
Debatê-la. Agora, quando as instituições universitárias não debatem e, em vez disso, optam por enfrentar um protesto pacífico, de pessoas desarmadas, com o emprego de força militar, é porque têm uma sensação muito grande de perseguição. Alguma coisa muito séria está acontecendo com uma universidade que se torna incapaz de debater ideias diferentes.

FOLHA - Alunos, professores e funcionários exigem a saída da reitora…
MATOS
- Do ponto de vista global da instituição, politicamente, aconteceu uma espécie de vazio de poder. Quando se usa a violência, é porque se perdeu a autoridade. A universidade não é o lugar da força ou da violência. É o lugar da autoridade…
Agora, o jogo de forças entre os vários setores da universidade é que vai definir os próximos passos. Tenho certeza de que a atitude da reitora derivou de algum aconselhamento, provavelmente de professores mais conservadores, que a pressionaram a agir dessa maneira.
Porque ela não agiria assim sem se sentir respaldada. O que tudo indica é que a reitora não tem mais condições políticas de se manter. Na medida em que ela usou a violência, pela simples recusa ao debate, ficou comprometida a sua função institucional como intelectual.
O intelectual está lá para impedir o uso das armas. Ainda assim, eu me pergunto se -de novo, e porque é mais fácil- não se estaria derrubando o tirano, em vez das causas da tirania. Você pode substituir o reitor. E depois? É por isso que existe a luta, que não é de hoje, pela democratização das instâncias que elegem o reitor.

FOLHA - A PM deve sair da USP?
MATOS
- Imediatamente. A polícia estar lá é quase uma provocação… Uma sociedade é tanto mais feliz, tanto mais democrática, quanto mais ela conseguir conviver com seus contraditores. Uma sociedade que só é capaz de conversar com o mesmo não é uma sociedade.

O link, fechado para assinantes: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1206200911.htm. No título desta mensagem é possível acessar o Blog do Favre (que gentilmente realizou essa reprodução).


Comandante tinha ordem para prender líderes da greve na USP

Texto abaixo na íntegra, direto do blog do Tulio Vianna!

Comandante tinha ordem para prender líderes da greve na USP

Antonio Arles enviou-me o vídeo abaixo, alertando-me para um fato que passou despercebido pelos jornalões (ou teriam simplesmente tentado esconder?): o comandante da operação na USP Cláudio Lobo declarou para a rede Globo (aos 2 min do vídeo):

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1055030-7823-PROTESTO+NA+USP+TEM+CONFRONTO+ENTRE+PM+E+MANIFESTANTES,00.html


"Existe uma ordem pra prender alguns líderes que estão incitando esta greve.  A juíza expediu uma ordem de reintegração de posse e liberdade de ir e vir. Eles não estão acatando."

Como assim ordem de prisão?

A ordem de reintegração de posse tem natureza civil e, portanto, jamais ordenaria a prisão de quem quer que seja. A juíza cível, aliás, é incompetente para ordenar prisões, salvo no caso de pensão alimentícia.

Então havia duas ordens: uma da juíza (de reintegração de posse) e outra de prisão. O comandante não deixa claro quem deu a ordem de prisão e a repórter lamentavelmente perde a oportunidade de fazer a pergunta-chave: de quem foi a ordem de prisão, comandante?

Como até o momento ninguém noticiou a existência de uma ordem de prisão por parte de um juiz criminal e não há nada na lei que a justificaria, somos obrigados a concluir que esta ordem partiu dos superiores hierárquicos do comandante.

É claro que nenhum coronel da polícia militar em sã consciência daria uma ordem desta repercussão sem consultar antes o Secretário de Segurança, que por sua vez certamente consultaria o Governador do Estado.

É bom lembrar que uma eventual ordem de prisão dada por quem quer que seja na polícia ou no governo do estado para prender líderes de uma manifestação política é absolutamente ilegal, pois a Constitução da República garante em seu art.5º, LVII, que:

"ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."

Como não havia ordem judiciária, pois juiz cível não é competente para expedir mandado de prisão, e não se tratava de flagrante delito, pois a greve é direito garantido constitucionalmente, logo, é preciso investigar:

  1. quem deu a tal ordem de prisão dos líderes da greve?
  2. qual o fundamento jurídico da tal ordem de prisão?
  3. a legalidade desta ordem de prisão.

Vamos aguardar as cenas do próximo capítulo e a atuação dos "jornalistas investigativos" e do Ministério Público do Estado de São Paulo na apuração dos fatos.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Reitora se comportou de forma diferente em 2007 [estadao.com.br]

Reitora se comportou de forma diferente em 2007

Na 1.ª greve que enfrentou, Suely Vilela impediu que PM interviesse, o que teria gerado críticas de Serra

Renata Cafardo

A ação da Polícia Militar no câmpus da USP anteontem mostra uma mudança de comportamento da reitora Suely Vilela diante de grevistas da instituição. Em 2007, na primeira greve que enfrentou depois de assumir o cargo, ela impediu que policiais interviessem para desocupar a reitoria. Mesmo com a reintegração de posse determinada pela Justiça, alunos e funcionários acabaram permanecendo no local por 50 dias.

Desta vez, a PM entrou no câmpus quatro dias depois da ocupação de prédios, retornou por causa de novo tumulto e lá ficou até o conflito de anteontem. Fontes da USP ouvidas pelo Estado disseram que Suely mudou porque havia recebido críticas na condução da greve de 2007. O próprio governador José Serra (PSDB) teria perdido a paciência com a insistência da reitora em negociar à época.

Um ano depois, em um evento com reitores, o governador teria a cumprimentado e dito: "Este ano, a senhora não vai deixar invadirem a reitoria novamente, não é?", contou uma professora que não quis que seu nome fosse publicado.

No órgão máximo da instituição, o Conselho Universitário, não foi diferente. Tradicionalmente, pela lembrança de intervenções na ditadura militar, era consenso que a USP deveria evitar a presença da polícia no câmpus e usar o diálogo em situações de conflito. Mas a invasão de 2007, que terminou com computadores e móveis depredados, além de atrasos de bolsas e programas, minou essa convicção. "Suely recebeu muita cobrança no conselho. Depois disso, 90% dos conselheiros (a maioria diretores de unidade) passaram a defender o uso da força", disse outro professor.

Ele ainda acredita que a motivação das greves de 2007 e deste ano também influenciaram o comportamento de Suely. "A questão dos decretos (um dos motivos da greve de 2007) implicava um tolhimento da autonomia. Desta vez não há nenhuma motivação", diz ele sobre as reivindicações. Há dois anos, o movimento começou por causa de um decreto de Serra que criava uma secretaria especial para lidar com as três universidades estaduais. Agora, fala-se em aumento salarial, fim de cursos a distância, democratização administrativa e já apareceram também jargões como "fora Suely" e "fora Serra".

A farmacêutica Suely Vilela foi eleita no fim de 2005 com o apoio da chamada "esquerda" da universidade, ou seja, o movimento estudantil e os sindicatos de docentes e funcionários. Há quem acredite que a reitora tinha um compromisso com esses grupos e, por isso, evitou um confronto policial há dois anos, no início do mandato. Hoje, em seu último ano no cargo e depois de seguidos desgastes, não teria mais essa preocupação.

"Ela está isolada, não tem apoio dos diretores de unidades. Conversa apenas com o chefe de gabinete e o vice-reitor", afirmou um integrante da reitoria da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Desde o início da greve, Suely se recusa a dar entrevistas.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090611/not_imp385765,0.php

Relato do Profº Ádrian Fanjul (DLM/FFLCH - USP) sobre a invasão e a ação policial ocorridas no dia 09/06

Abaixo, a íntegra do relato do professor Ádrian Fanjul, da área de Espanhol do Departamento de Letras Modernas da FFLCH/USP. Esse relato foi elaborado no dia 09, após a ação repressiva da invasão da PM no campus Butantã da Universidade de São Paulo contra professores, funcionários e estudantes das três universidades estaduais paulistas. [grifos nossos]

"Caros colegas:

Hoje de tarde estava acontecendo a assembleia da ADUSP, no anfiteatro da Geografia, com uma grande quantidade de professores, quando fomos avisados que havia enfrentamentos com a Polícia. Uma parte da Assembleia foi ver o que acontecia, outros quiseram ir para mediar, muitos ficamos esperando no hall da Geografia.

Foi perfeitamente visível, primeiro, como a PM perseguia os manifestantes (muitos, vimos muitos alunos que cada um de nós conhece perfeitamente como aluno), e como jogava bombas e balas de borracha.

Vieram para o prédio e a polícia chegou a jogar várias bombas de gás pimenta dentro do hall, logo no momento em que, na Avenida, a Diretora tentava mediar.  Pelo menos um centenar de professores estávamos ali e tivemos que nos proteger desse ataque, vários passaram mal. Nós, corridos com bombas. Nós, docentes, pesquisadores, que imagino que não preciso dizer que não portamos armas, como não as portam os alunos nem os funcionários, mas antecipo isso porque espero que ninguém tenha o mal gosto, nestas circunstâncias, de teorizar justificativas sobre se merecíamos passar por esse trato. Depois de momentos de aflição, de nos reencontrar na confusão para tentar encontrar palavras para a humilhação e a injúria dessa gente que comanda (agora sim, o verbo faz sentido) a Universidade e que não podia não saber que ali acontecia a assembleia da ADUSP, decidimos fazer de tudo para tentar que a Faculdade não fosse invadida e não houvesse mais confronto.

A Diretora, Sandra Nitrini, dando um verdadeiro exemplo de quem se importa sim pela instituição que dirije, esteve tempo todo ali. Muitos dos professores presentes, junto com a Diretora, tentamos convencer os alunos (muitos) de que se reunissem no hall e não na Av. Luciano Gualberto. Em todo esse tempo, Suely Vilela não atendeu um só telefonemas dos muitos que foram feitos.

 Estão  presentes aqui um deputado e vários vereadores (desculpem, esqueci os sobrenomes deles), um dos quais conseguiu uma reunião com o Vice-Reitor, Franco Lajolo, convidando representantes das 3 categorias. Os docentes que estávamos (muitos, porque vários que não estavam, na Assembleia chegaram depois), decidimos que por parte dos docentes, participasse com uma comissão. Os estudantes em assembleia por enquanto decidiram não ir, mas  a comissão de professores decidiu ir igual e leva uma única proposta: chega desta vergonha, nem um policial no Campus.

O sentimento geral dos que estamos e estivemos aqui, nós, colegas de vocês,  corridos dentro de nossa própria Faculdade com gás lacrimogêneo, é que esta injúria precisa ser o fim de um caminho e alguém tem que ter a decência de sair de um lugar de poder que faz tempo que não lhe corresponde. Talvez o fato de que quem está tentando (ou aceitando?) falar com a comunidade é o Vice-Reitor, seja um sintoma de que chegou o final da  "gestão" que temos sofrido. Esperamos sinceramente que assim seja, quando o gás lacrimogêneo se disperse e a tropa saia. Posso usar esse plural porque entre nós, pelo menos todos que vi, ainda os mais moderados, havia uma grande coincidência nisso.

Estamos aguardando o resultado da conversação com Lajolo para o que agora preocupa todo mundo: a polícia no campus.

A Assembleia dos docentes será retomada amanhã, às 10h, na Geografia.

  Um abraço

Prof. Dr.  Adrián Fanjul."

Professores protocolam declaração pedindo renúncia de reitora

Declaração foi protocolada junto à Reitoria na tarde de 10/6, por deliberação da assembléia dos professores



Declaração da Assembléia da Adusp de 10/6

A Universidade de São Paulo tem desrespeitado, há anos, no seu cotidiano e nas suas instâncias de decisão, o Artigo 206 da Constituição Federal que define o princípio da gestão democrática do ensino público. O desrespeito fica evidenciado pela ausência de diálogo sempre que deliberações de Conselhos de Departamentos, Congregações e do Conselho Universitário acontecem sem a devida participação de alunos, docentes e funcionários. Nos últimos meses testemunhamos algumas dessas deliberações que, no lugar do diálogo, impõem de maneira autoritária suas decisões, gerando conflitos e desgastes desnecessários entre as partes envolvidas: demissão política de um dirigente sindical, o ingresso da USP na Univesp, a reforma estatutária da carreira, as mudanças no exame vestibular, entre outras. As três últimas, aliás, foram tomadas sem razões acadêmicas que as sustentem.


A crise atual vivenciada pela USP, originada pela negociação de data-base, como vem acontecendo nas negociações dos últimos anos, a ausência de diálogo exacerbada pela ruptura por parte do Cruesp da continuidade da negociação, culminou com a solicitação, por parte da reitoria da USP, da presença da Polícia Militar, provocando a violenta repressão que vivenciamos na tarde de ontem no campus Butantã da USP.


Em função dessa sucessão de acontecimentos:


"Os professores da Universidade de São Paulo, reunidos em Assembléia no dia 10 de junho de 2009, em face dos graves acontecimentos envolvendo a ação violenta da Polícia Militar no campus Butantã, vêm a público exigir:

  1. a renúncia imediata da professora Suely Vilela como reitora da Universidade de São Paulo;

  2. a retirada imediata da Polícia Militar do campus;

  3. que a nova administração adote uma medida firme para impedir que as chefias e direções assediem moralmente os funcionários que exercem o direito de greve, de modo a criar condições objetivas para que os funcionários possam suspender os piquetes;

  4. que se inicie também imediatamente um processo estatuinte democrático.



São Paulo, 10 de junho de 2.009.



Adusp-S.Sind.

Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Relato do Profº Pablo Ortellado (EACH-USP) sobre a barbárie ocorrida na Cidade Universitária da USP.

O seguinte relato nos foi enviado pelo professor Pablo Ortellado, da EACH-USP, em mensagem encaminhada pelo professor Marcelo Modesto (FFLCH), também presente na manifestação pacífica que resultou em confronto violento na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo - USP.

Abaixo, o texto na íntegra (grifo nosso):

"Urgente e importante: tropa de choque na USP

Prezados colegas,


Eu nunca utilizei essa lista para outro propósito que não informes sobre o que acontece no Co (transmitindo as pautas antes da reunião e depois enviando relatos). Essa lista esteve desativada desde a última reunião do Co porque o servidor na qual ela estava instalada teve problemas e, com a greve, não podia ser reparado.

Dada a urgência dos atuais acontecimentos, consegui resgatar os emails e criar uma lista emergencial em outro servidor. O que os senhores lerão abaixo é um relato em primeira pessoa de um docente que vivenciou os atos de violência que aconteram poucas horas atrás na cidade universitária (e que seguem, no momento em que lhes escrevo – acabo de escutar a explosão de uma bomba). Peço perdão pelo uso desta lista para esse propósito, mas tenho certeza que os senhores perceberão a gravidade do caso.

Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores haviam deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação, que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.


Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de "efeito moral" porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas). Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.


Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado).

Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira), autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário.

Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais.

Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.


Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo"