quarta-feira, 17 de junho de 2009

Violência na USP - Texto de Marcos Nobre na edição de 16/06/09 da Folha de São Paulo

ANÁLISES da violência da última semana na USP falaram em nome da democracia. Tanto quem apoiou como quem condenou o recurso à força policial apelaram para a Constituição Federal e para o Estado democrático de Direito. Esse apelo comum mostra consolidação e vivacidade da Constituição e da democracia no país. Mas só quer dizer alguma coisa se ficar claro o que realmente está em jogo nesse caso.

E o que está em jogo certamente não é a ação policial. Ela é sintoma, não causa. O fundamental é saber por que afinal a polícia foi chamada. Dizer que uma intervenção da polícia hoje é diferente de outra praticada durante a ditadura militar é dizer o óbvio. Dizer que a ação da polícia pretendia simplesmente restaurar a ordem ignora que todo o problema está justamente nessa ordem a ser restaurada.

No Brasil, as universidades foram espaços fundamentais de resistência à ditadura militar. Tentavam se organizar como refúgios em que se procurava produzir em escala reduzida o que se pretendia expandir um dia como um ambiente de convivência democrática mais amplo. Um requisito crucial era o de manter a polícia o quanto possível longe desse experimento.

A ditadura foi pouco a pouco derrotada. Instituições democráticas se firmaram. Mas esse não é um processo uniforme rumo ao melhor: basta ver a podridão exposta do Congresso Nacional. Também não é um processo automático: a mera existência de instituições democráticas não garante que a sociedade como um todo se tenha democratizado.

O que torna o conflito na USP mais amplo do que os muros da escola é justamente o fato de revelar quão baixo ainda é o nível de democratização da sociedade brasileira. O episódio mostra com clareza que energias de protesto e de mudança continuam represadas em universidades, sem encontrar canais efetivos de expressão na esfera pública e na política institucional.

A USP tornou-se um emblema desse nó social por insistir em manter uma estrutura de participação e uma forma de escolher dirigentes que se parece mais com o conclave que elege o papa. Continua a preservar a estrutura de uma universidade de cátedras, modelo rejeitado pela própria USP há mais de 40 anos.

A recusa em proceder a uma reforma estrutural aprofunda cada vez mais o isolamento da administração em relação à comunidade da universidade, visível há mais de uma década. Produz atritos internos que rapidamente degeneram em conflitos artificiais. O apelo à intervenção policial é o último recurso de um grupo dirigente divorciado da própria universidade.

nobre.a2@uol.com.br

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MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna. [+coluna]


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/corrida/cr1606200908.htm
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